jueves, 1 de agosto de 2024

Da dissolução de um dínamo

Natan Schäfer

Aprendemos que quando o dínamo cessa, quem recebe o baque é todo o movimento que anima; que com isso doravante seremos privados do prazer de dedicar-lhe nossas realizações; e, sobretudo, que se faz saudade uma luz que nos é profundamente estranha e familiar e transforma o próprio prisma que a filtra.

Isso é o que aprendemos quando se dissolve um dínamo que com sua vida se dispunha a facultar a do jardim ao seu redor.

Sergio Lima morreu? Há que se dizer que, vulgarmente, sim — e com vênia, pois ele detestava o vulgar. Porém, a resposta para esta pueril pergunta não é tão simples assim. Complexa, é mais simples ainda.

Um dia Sergio contou que, quando suas filhas eram pequenas, ganhou de uma delas um presente: sabe o que é o cor-de-rosa?, teria perguntado ela. É o vermelho que vem vindo, respondeu ela mesma.

Em outro momento, Sergio observou que no tarô a morte é rosa; depois descobriu “a vida das vidas” em um horóscopo de jornal — pois se por um lado Sergio detestava o vulgar, por outro o cotidiano o surpreendia todo o tempo.

Que a manhã da sexta-feira que sucedeu o dia 25 de julho de 2024 tenha revelado uma aurora de dedos róseos, os quais pela janela do ônibus pareciam se estender dia adentro e afora, soa feito, como diria Sergio, a Confirmation de Charlie Parker. O mesmo para o caminhão atravessando a densa floresta serra acima com “Sabor que vem do coração” — isto é, saber —, na carroceria. E se lembram das capas d’A alta licenciosidade? A anedota que as envolve evoca o que era Sergio em ação.

Exigindo a superação de provas e desafios, Sergio condicionava o que se faz fazendo: o caminho da maravilha, os tesouros da fala, a imagem como acontecimento.

Na falta de Sergio se abre o amanhã de um florescer, florescer de um ímpeto que ele fez seu e de muitos que se encontraram com seu entusiasmo. Pois este homem despertou em si um saber dos mais exigentes: maravilhar, ação que não cessa com a dissolução. A ver, portanto, como prossegue, principalmente ali onde não esperamos encontrar.

À porta do bosque-ilha ainda é a voz do escritor-pintor quem diz Avanti! Imagista, Sergio se faz símbolo e segue à mesa. Mas, enfim, segue respondendo aos desejos que o encontram? Agora dissolve a pergunta e devolve a resposta ao seu cerne de busca.

De leste a oeste e sul a norte, Sergio nos emblema e, mesmo depois que de Billy The Kid restou apenas o retinir das esporas e a marca da sombra na terra que o recebeu, a certeza tem certeza, e com ela Vênus também, de que todo ginete que corcoveia o saúda.

26-28 de julho de 2024