En São Paulo
se celebra la cuarta exposición de Rodrigo Mota, con obras de las últimas dos
décadas. Un espléndido texto de M. R. Salgado, que reproducimos a continuación,
aborda con fuerza e inteligencia el sentido de estas “explosiones cromáticas”
de un artista a quien ya dedicamos una nota con motivo de su impactante libro Tinta da China.
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Color Pen é a quarta
mostra individual do pintor e artista gráfico Rodrigo Mota.
Ela registra
um conjunto significativo de suas realizações plásticas ao longo de duas
décadas de atuação, parte delas anteriormente apresentadas em exposições
individuais e coletivas no Brasil e no exterior (Portugal, Chile e Canadá).
Importante
destacar sua atuação como ilustrador e diretor de arte em parcerias com
escritores e artistas visuais ligados ao movimento surrealista, de que fazem
prova os diversos livros por ele graficamente concebidos para a Coleção
Ocultura. Em 2013 publicou Tinta da China,
livro em que reúne parte de seus nanquins, lançado sob a chancela das Edições Loplop.
Em 2017, assinou a capa do segundo ep
do laboratório socio-sônico Lombroso, no campo da música eletrônica
experimental.
Como o título
sinaliza, em Color Pen temos a
reivindicação como instrumento técnico de um objeto ligado à infância: a caneta
hidrográfica, que permitiu, em algum momento de nossas vidas, a materialização
da primeira proposição de Lautréamont, segundo a qual a poiesis deve ser feita por todos. Como qualquer um que tenha tomado
uma nas mãos sabe, a caneta hidrográfica permite - se não instiga - verdadeiras
explosões cromáticas, que são, por sua vez, aqui agenciadas como fenômenos de
geração espontânea, nos quais cor e traço são lançados em uma busca por formas
sensíveis nem sempre pré-determinadas. A prevalência da cor também evoca a
força totêmica do pensamento primitivo, sendo certo que algumas imagens de Color Pen parecem atender diretamente a
esse apelo cromático pelo selvagem: boa
tinta garante boa caça, a disputa entre acaso e necessidade na ponta de um
arpão que se transforma em caneta.
A pujança
dinâmica da cor, transposta ao proscênio, desmonta as rotinas de percepção
cromática, atuando, sob o mesmo vetor, nas relações gestálticas tendentes à
inversão da dinâmica mimética que atrela objeto e seus atributos. Convertem-se,
assim, em objetos imaginários: a mente e o invisível mordem-se. A atividade
plástica passa a ser considerada em relação análoga com a do oceanógrafo: um
mergulho pelas regiões pelágicas, uma viagem por labirintos abissais, nos
quais, apesar da exuberância cromática, corre-se sempre o risco de se deparar
com esqueletos, galerias e galeões submersos, vestígios de naufrágios,
soçobros de ímpetos, furores asfixiados sob a pressão submarina.
Como a cor,
chama atenção a presença do reino animal. De par com figuras recorrentes
(baleias, cefalópodes, tardígrados, animais ciliados etc), há ainda animais
híbridos, compostos a partir do mesmo princípio de substituições anatômicas que
preside a collage como linguagem
(para além de sua realização matérica): um pé de batráquio tem por corpo uma
cabaça e por cabeça um cefalópode; dois pés de ave suportam uma criatura
ciliada que tem uma barbatana à maneira de crista etc. Como os híbridos
zoomórficos de Max Ernst, como as bonecas dos Hopi, como os deuses egípcios (Thoth, Amon, Horus), como o
Minotauro, estamos diante de uma proposição anatômica com vinculações míticas.
As metamorfoses sinalizam para uma contínua irrupção de alteridade: eis mágico.
A representação do Outro. A representação da Outra Cena.
É assim que os
corpos em metamorfose apresentados em Color
Pen, alçando voo para a condição de objetos imaginários (mediante
sucessivas operações semióticas deflagradas pela geração espontânea das
formas-invólucros) e atuando na faixa de sedimentação simbólica da psique, são,
eles também, uma formulação poética da condição humana no universo.
Deitado sobre as águas, observo o céu e, em dado momento, já não sei mais
se estou nas ondas com a cabeça voltada para o firmamento ou se a boiar na
estratosfera olhando para o mar. Nessa faixa de sedimentação simbólica, as
imagens de Color Pen figuram um
território - mais que um território, um ponto de observação. Um ponto de
observação do céu interior.
M. R. Salgado
Rio de Janeiro, fevereiro de 2018